quinta-feira, 14 de junho de 2007

TREINO DAS EMOÇÕES - TATIANA BELINKY

Eu sempre convivi com teatro, meus pais eram gente chegada a uma cultura e eu desde pequenininha conheci teatro e até estreei como atriz aos quatro anos de idade, eu era uma mosca. Nossos pais nos levavam, meu irmão e eu, para ver teatro infantil e para ópera e para opereta e para teatro adulto, teatro sempre fez parte da nossa vida. Falava-se muito de teatro, eu lia muito teatro, eu comecei a ler com quatro anos, eu lia poesia, contos, enfim, tudo o que era ligado à literatura e essas coisas. Chegamos no Brasil sem a língua. Português foi minha quarta língua, eu aprendi rapidinho. Mas não havia muita coisa para crianças, e o que havia era proibido para crianças. Nunca sonhamos uma coisa dessas na Europa. Os pais levavam as crianças para teatro, fazia parte da vida. Não precisava ser censurado ou proibido para isso ou para aquilo. Então, durante alguns anos não tive teatro aqui, a não ser brincar de teatro na escola, brincar de teatro em casa. Eu sempre escrevi. Quando eu cheguei aqui, com dez anos, tinha que contar as impressões e as coisas todas, o mundo que eu vi aqui, então eu escrevia muita carta, para avô, avó, primos, tios, além disso eu também, mesmo antes de vir pra cá, já tinha um diário. Eu brinco muito, eu não me levo muito a sério e não quero coisas solenes. Ensinar coisas é na escola. Eu quero distrair, divertir e mostrar coisas bonitas, quer dizer, com estética e ética. E brincadeira, senso de humor, é fundamental, assim como poesia é fundamental. E eu nunca me afastei disso. Eu lia muitos livros, encontrei um rapaz (Julio Gouveia, que viria a se tornar marido de Belinky e seu parceiro em teatro infanto-juvenil) que lia muitos livros, saiu um casamento que era o casamento de duas estantes. E ele também gostava muito de teatro.E nosso namoro era muita conversa, teatro, cinema, poesia. Ele também era poeta, escrevia muito bem, então sempre estive em contato com literatura, poesia e teatro, teatro lido e teatro assistido. Começamos a fazer teatro para crianças em 1948, começou como uma brincadeira, tínhamos um grupo de amadores muito bom (o TESP - Teatro-Escola São Paulo). Fizemos uma estréia extraordinária, por acaso no Teatro Municipal, com uma adaptação do Peter Pan, que o Julio escreveu. Gostaram tanto que a Secretaria de Cultura da Prefeitura nos convidou imediatamente para fazer teatro todos os fins de semana para os teatros da Prefeitura, para as crianças. Em todos os teatros que havia (e havia muitos, mas depois foram derrubados, depois foram construídos outros) a gente levava a peça nos fins de semana, começando no centro até os bairros, até lugares onde quase nem havia teatro, em cinemas, clubes. Isso foi de 48 até 51. Em 52, pediram para nós levarmos a peça que estávamos mostrando no teatro para o estúdio (para a TV), como presente de Natal para as crianças paulistanas. Depois pediram mais. Começamos um programinha de vinte minutos, chamado Fábulas Animadas, que eram fábulas russas, alemãs, francesas, brasileiras, histórias de bichos. Aí já era eu quem escrevia. Porque o Julio disse "escreva" e eu "mas eu nunca escrevi teatro". Ele disse: "mas você sabe o que é teatro, escreva!". E eu tinha lido muito teatro, assistido muito teatro. E lendo teatro, eu sabia como é que se escreve teatro, como se monta diálogo, como se dá uma rubrica, eu sabia, eu conhecia teatro. Tinha o teatro passado na TV, teleteatro. E para descobrir como é que funciona? Porque teatro é uma coisa, agora, televisão, naquele tempo, ninguém nem sabia o que era. E nós percebemos que era teatro o que nós fazíamos, mas era teatro e cinema ao mesmo tempo. A idéia nossa era promover leitura. Leitura por intermédio de teatro. Teatro é uma coisa muito boa, muito importante para a criança. Acho que escrever para criança, seja livro, seja teatro, seja o que for, ou é muito fácil ou é impossível. Ou você tem contato com criança, você tem a criança dentro de você, ou não. Forçar, impor regras, coisas assim, não fica teatro, fica aulinha chata. Criança é criança. É só lhes oferecer, lhes dar, expor a criança aos livros, expor o livro à criança, dar espetáculos bons, inteligentes, com estética e ética, sem dedo em riste, sem lição de moral. Deve ser prazer, lazer, divertimento. As crianças são muito espertas, elas entendem tudo: Molière, e até alguma coisa de Shakespeare. Romeu e Julieta não há criança que não entenda e é uma tragédia. Mas e daí? Eu tenho algumas histórias tristes, de propósito. Como dizia o Julio (Gouveia), que era psiquiatra, terapeuta, isso é o treino das emoções para a vida real. (Escrever teatro) é uma responsabilidade muito grande. Porque se você tem uma história, que é contada pelo espetáculo, e que tem um conteúdo interessante, construtivo, então, se você fizer um bom espetáculo, esteticamente bom, ele vai funcionar muito bem. Porém, se a história não for tão positiva no resultado (tem que ter todas as emoções) e for bem feita, pior. Porque aí passa uma mensagem ruim. Agora, pelo contrário, uma boa história mal representada cai no vazio. Uma boa história tem que ser bem representada. Criança quer emoção, não quer uma coisa plana, chata, de dedo em riste. É o treino das emoções. Essas coisas muito direcionadas, didáticas, deixa para a escola, porque como diversão é chato. É chato e não desenvolve o senso estético, o senso poético, o senso de humor. Para teatro eu recentemente não tenho escrito muito. Fiz umas duas ou três peças nos últimos anos. Eu escrevia furiosamente para teatro. Mas peças minhas estão sempre por aí, em cartaz. Teatro não envelhece, não é? A não ser que seja uma idéia mofada. Mas uma boa idéia não envelhece, além do que o público se substitui. Eles crescem e daí já vem outra geração.

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