segunda-feira, 2 de julho de 2007

TADEUZ KANTOR (1915-1990) - Michal Kobialka

Tadeusz Kantor, artista plástico polonês, teórico e diretor teatral, fundador (com Maria Jarema) da companhia teatral CRICOT 2 (1995), nasceu em Wielopole, Polônia. Foi educado em Tarnóvia e Cracóvia. Quando estudou pintura e cenografia na Academia de Belas Artes de Cracóvia (1933 -1939), Kantor conheceu o simbolismo, o construtivismo e Bauhaus.
Em 1938, ele fundou o Teatro Ephemeric (Mecânico), onde apresentou A Morte de Tintagiles de Maurice Materlinck. Em 1942, com um grupo de pintores jovens, Kantor organizou o Teatro Independente, clandestino e experimental, durante a ocupação nazista, onde ele dirigiu Balladyna de Juliusz Slowacki (1942) e O Retorno de Ulisses de Stanislow Wyspianski. ]
Como citado por Kantor em sua “Lição 1” de As Lições Milanesas, esta produção foi fundamental para a elaboração dos seus conceitos sobre espaço autônomo de performance, objeto pobre, ator-objeto, e “realidade da vida” (“realidade do mais baixo escalão”): 1944. Cracóvia. Teatro Clandestino. O Retorno de Ulisses do Sítio de Estalingrado.
O abstracionismo, que existiu na Polônia até o inicio da II Guerra Mundial, desapareceu no período do genocídio em massa. [...]A arte perdeu seu poder.A re-produção estética perdeu seu poder.O ódio de um ser humano apoiado por outras bestas humanas amaldiçoou a a r t e. Só tínhamos força para agarrar o que estava mais próximo, O Objeto Real e chamá-lo de obra de arte! No entanto, era um objeto p o b r e, incapaz de realizar qualquer função na vida real, um objeto a ser descartado. Um objeto que foi desprovido de uma função vital que o salvaria. Um objeto despojado, sem função, a r t í s t i c o! [...]Uma cadeira de cozinha …Um objeto, que foi esvaziado de qualquer função vital, veio à tona pela primeira vez na história. Este objeto era vazio.Tinha que justificar sua existência a si mesmo e não às coisas que o cercavam e lhe eram estranhas.[E o fazendo, o objeto] revelava sua própria existência. E quando sua função era imposta a ele, essa ação era vista como se isso tivesse acontecido pela primeira vez desde o momento da criação.Em O Retorno de Ulisses, Penélope, sentada em uma cadeira de cozinha, representou o ato de estar “sentada” como um ato humano acontecendo pela primeira vez. O objeto [físico] adquiriu sua função histórica, filosófica e a r t í s t i c a !
1 Os experimentos de 1944 e 1963 fecham o período no qual Kantor questiona as convenções de criação ou exibição artística vigentes, e, devido à experiência da II Guerra Mundial, modifica a função de uma vanguarda artística numa sociedade. Estes experimentos colocam em xeque as narrativas históricas oficiais que encontram um modo efetivo de desprezar o questionamento de Adorno sobre o que significa representar depois de Auschwitz. Assim, por exemplo, em O Retorno de Ulisses, em 1944, “Ulisses se recusa categoricamente a ser apenas uma imagem, uma representação. [...] em tempos de loucura gerada pelos homens, em tempos de guerra, a morte e suas trupes tenebrosas, que se recusaram a ser impedidas pelos sentidos humanos e racionais, iniciando e confundindo-se com a esfera da vida”.
2. A emoção do drama e seu caráter mitológico foram atirados e fundidos com a vida contemporânea. A peça foi representada não em um teatro, mas sim em uma sala que “estava destruída. Havia guerra e havia milhares de salas assim. Todas se pareciam: tijolos sem reboco por trás de uma camada de tinta, gesso caindo do teto, piso faltando tacos, pacotes abandonados cobertos de poeira, entulho espalhado por todos os lados, pranchas remanescentes de um convés de navio foram dispensadas ao horizonte dessa decoração, um tambor de revólver apoiado num monte de pedaços de ferro, um megafone militar pendurado por um cabo de aço enferrujado. A figura inclinada de um soldado com capacete usando um sobretudo surrado [de um soldado alemão] em pé contra a parede. Nesse dia, seis de junho de 1944, ele se tornou parte dessa sala".
3. Em 1963, os objetos exibidos tornaram irrelevante qualquer tentativa classificatória de localizá-los no espaço ou seqüência temporal sistematizando-os em uma unificadora totalidade. Ao contrário, os objetos rearticularam suas funções nas relações, que aconteceram acidentalmente, e que não poderiam ser previstas por nenhuma norma – “a ditadura da utilidade” é vencida; o objeto que estava despido da segurança da sua estrutura original a que pertence, “começa uma discreta relação possível com seus semelhantes”.
4 Para conseguir isso, Kantor explora o processo de incorporação na atividade artística de objetos encontrados, ou seja, os objetos, os eventos e o ambiente. Esta realidade não subjugada à modelagem artística ou necessidades formais. Não funciona como modelo, que existe anterior à obra de arte, e, conseqüentemente, não corresponde a nenhuma convenção de representação. Conforme Kantor observou: Realidade pode apenas ser “u s a d a”“Usada” é o único termo apropriado fazer uso da realidadena a r t e significauma apropriação da realidade. [...}Durante esse processoa realidade t r a n s g r i d e sua própria b a r r e i r a e caminha na direção do “i m p o s s í v e l" A realidade apropriada contem em si mesma objetos reaissituaçõese um ambiente descritopelo tempo e lugar.Suas r e a ç õ e s entre si,as i n t e r c o n e x õ e s entres eles a apropriação g e s t u a l do (como se, encantando a realidade) r i t u a l são substituídos pelo processo de modelagem que está fora de questão aqui.
5.A estratégia da apropriação da realidade significa o processo de arrancar os objetos da realidade para explorar sua qualidade de objeto no meio onde eles adquiriram suas funções na relação com outros elementos colocados nesse espaço.
6. Portanto, os objetos são descaracterizados e não conceituais no entender de Adorno sobre os princípios que regem as obras de arte autônomas.
7. O foco está em suas estruturas inerentes, ao invés de na totalidade dos efeitos; num processo manual de significação, ao invés da soberania visual do olhar produzindo a imagem representacional num espaço clássico, tridimensional; nos processos não-representativo, não-ilustrativo, e não-figurativo, nos quais o olhar não desempenha uma função visual de ordenação, mas segue as relações que organizam seus campos de percepção; no irrepresentável na representação em si mesma; naquilo que “recusa o consolo das formas corretas, recusa o consenso do gosto permitindo uma experiência comum de nostalgia pelo impossível, e questiona novas apresentações.”
8 Levando em consideração a importância e a direção das transformações na arte em geral no século XX e no Dadaísmo, Surrealismo, Abstracionismo, Arte Informal em particular, Kantor enfatizou sua partida pelas formas geométricas ou abstratas, que tinham que eliminar ou transcender os dois eventos históricos, como a I e II Guerras Mundiais, co-modificação das artes, em direção à realidade degradada ou à realidade do mais baixo escalão, destituída de seus aspectos marcantes pelos eventos da guerra. A realidade degradada ou a “realidade do mais baixo escalão” não funciona como uma estratégia artística, mas sim como uma indução tática, que permitirá ao artista ser “surpreendido, acidentalmente ou de forma inesperada, pela esfera desconhecida e ignorada da realidade que intervem na arte.”
9 Na produção de Kantor de O Polvo (1956) de Stanislaw Ignacy Witkiewicz (Wtkacy´s), ambiente, objeto e atores foram engajados num processo complexo de constituição de formações espaciais diversas criando choques, escândalos e tensões com o objetivo de desbloquear a imaginação e esmagar a casca empregnável do drama. Isto quer dizer, ambientes, objetos e atores, e mais seus atributos, não ilustravam, interpretavam ou teciam comentários sobre o drama, mais que isso, eles criaram um sistema de relações para depreciar o valor da realidade por explorar seu aspecto cotidiano desconhecido, escondido. Esta exploração foi diferente em momentos distintos nos anos 60. No “Teatro Informal”(1961), Kantor explorou a matéria [um aspecto desconhecido da REALIDADE ou do seu estado elementar], que não precisa obedecer as leis da realidade, está sempre mudando e fluindo;escapa da escravidão das definições racionais, faz todas as tentativas para comprimi-lo em uma forma sólida ridícula, desnecessária e vã;é destruidora perene de todas as formas,e nada mais que uma manifestação,é acessível apenas pelas forças de destruição, por vontade e risco da COINCIDÊNCIA,e por uma ação rápida e violenta.
10 No “Teatro Zero” (1963) Kantor lidou com objetos marginalizados e emoções para desmembrar o desenvolvimento da trama lógica, construindo cenas por referência textual para revelar a individualidade de um ator descartando a ilusão: A técnica tradicional de desenvolver trama fez uso da vida humana como um trampolim para se impulsionar em direção ao reino das paixões crescentes e intensas do heroísmo, do conflito e das reações violentas. Quando surgiu pela primeira vez, essa idéia de “crescer” significou a expansão trágica do homem, ou uma batalha heróica para transcender as dimensões humanas e seus destinos. Com o passar do tempo, se transformou em um mero show, exigindo potentes elementos de espetáculo e a aceitação da ilusão violenta e irresponsável – figuras convincentes e uma procriação impensada de formas.
11 No “Teatro do Happening” (1967), Kantor deu atenção à verdade cotidiana e sua potencialidade para ser objeto não-conceitual médio ou “objeto-encontrado”, objeto “que fora encontrado: um objeto cuja estrutura [era] densa e sua identidade [era] delineada por sua própria ficção, ilusão, e dimensão físico-psicológica.”
12 Fazendo uso de objetos pobres, matéria, objetos marginalizados, objetos deteriorados, que são colocados dentro de uma estrutura aberta de realidade fluida, dinâmica, Kantor modificou um modelo de cultura ou atividade artística baseado na restrição, negação, transformação da imagem/objeto. Os experimentos teatrais de Kantor, que, no período de 1965 até 1969, tomaram forma de Happenings, mais adiante desenvolveram estes conceitos.
13 O manifesto “O Teatro da Morte”(1975) significou uma mudança nas pesquisas de Kantor. As produções, que seguiram, exploraram as noções de memória, história, mito, criação artística, e a função do artista como cronista do século XX: A Classe Morta (1975: a exploração de memórias acontecia num espaço ante uma barreira intransponível); Wielopole, Wielopole (1980 : introdução da idéia de espaço da memória); Que Morram os Artistas (1985: introdução à teoria de negativos que modificaram a noção de espaço da memória–agora, era denominado depósito de memória, ou seja, um lugar onde lembranças são sobrepostas umas às outras); Aqui Não Volto Mais (1988: introdução da idéia de pousada da memória, que existia além dos confins do tempo e espaço, onde Kantor encontrou suas próprias criações passadas); e Hoje é Meu Aniversário (1990: exploração do ultrapassar o limiar entre o mundo da Ilusão e o mundo da Realidade, que provocou a desintegração da própria ilusão).
14 As experiências teatrais de Kantor e sua versão oficial e não-oficial da história do século XX são testemunhas de sua crença que o teatro é uma resposta para a realidade, ao invés de representação da realidade. Mais importante, como ele observou, Teatro “é uma atividade que acontece se a vida é levada ás últimas conseqüências, onde todas as categorias e concepções perdem seus significados e direitos de existir; onde loucura, febre, histeria e alucinações são o último estágio da vida diante da chegada da TRUPE DA MORTE e do ESPLÊNDIDO ESPETÁCULO da morte.".
15.Fontes Adicionais A Journey Through Other Spaces: Essays and Manifestos: 1944-1990, editado, traduzido e com análise crítica do teatro de Tadeusz Kantor por Michal Kobialka (Berkeley, 1993)Ein Reisender, ed. Piotr Nawrocki and Peter Kamphel (Nürnberg, 1988)Hommage á Tadeusz Kantor, ed. Krzysztof Pleśniarowicz (Cracóvia, 1999)Kantor, l’artiste á la fin du XXé siécle, ed. Georges Banu (Paris, 1990)Dennis Bablet, Tadeusz Kantor (Paris, 1983)Wiesław Borowski, Tadeusz Kantor, (Warszawa, 1982)Krzysztof Pleśniarowicz, The Dead Memory Machine: Tadeusz Kantor’s Theatre of Death (Londres, 2000)NotasTadeusz Kantor, “Milano Lessons: Lesson 1,” A Journey Through Other Spaces: Essays and Manifestos, 1944-1990, translated and with the critical commentary by Michal Kobialka (Berkeley: University of California Press, 1993), 211-12.A Journey, 274.A Journey, 272.Walter Benjamin cited in Douglas Crimp, “This is not a Museum of Art,” Marcel Broodthaers (Minneapolis: Walker Art Center, 1989), 72.A Journey, 96-7.In 1963, Kantor presents the Popular Exhibition, also known as the Anti-Exhibition, at Galeria Krzysztofory in Kraków. It comprised of the objects, which were usually removed to the margins of the creative activity, glossed over by the traditional conventions, and discarded as irrelevant. “It was an inventory [of facts, theatrical objects, drawings, sketches, prescriptions, letters, stamps, tram and bus tickets, etc.] without any chronology, hierarchy, and locality. I found myself in the middle of all that, without a role of my own” (Kantor, “Zero,” Ambalaże (Warszawa: Galeria Foksal, 1976), 21). The objects, like laundry pieces, were hanging clipped to the ropes running through the vaulted space of the Gallery (A Journey, 23-5).Theodor Adrono, “Commitment,” The Essential Frankfurt School Reader, eds. Andrew Arato and Eike Gebhardt (Oxford: Basil Blackwell, 1978), 317.Jean-François Lyotard, The Postmodern Explained, trans. Don Barry, Bernadette Maher, Julian Pefanis, Virginia Spate, and Morgan Thomas (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993), 15.Wiesław Borowski, Tadeusz Kantor (Warszawa: Wydawnictwa Artystyczne i Filmowe, 1982), 76.A Journey, 51.A Journey, 59.A Journey, 85.See “Tadeusz Kantor’s Happenings: Reality, Mediality, and History,” Theatre Survey 43, 1 (May 2002): 59-79.See A Journey, Part 2, “The Quest for the Self/Other: A Critical Study of Tadeusz Kantor’s Theatre” for a detailed discussion of the concept of memory in Kantor’s production from the period between 1975 and 1990.A Journey, 149.

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