terça-feira, 3 de julho de 2007

EUGENIO BARBA

O primeiro passo para descobrir quais podem ser os princípios do bios cênico do ator, a sua "vida", consiste em compreender que às técnicas cotidianas se contrapõem técnicas extracotidianas que não respeitam os condicionamentos habituais do uso do corpo. As técnicas cotidianas do corpo são em geral caracterizadas pelo princípio do esforço mínimo, ou seja, alcançar o rendimento máximo com o mínimo uso de energia. As técnicas extracotidianas baseiam-se, pelo contrário, no esbanjamento de energia. (...) Quando estava no Japão com o Odin Teatret, perguntava o que significava a expressão otsukarasama com a qual os espectadores agradeciam aos atores no final do espetáculo. O significado exato dessa expressão é: "você cansou por mim". Entretanto o desgaste de energia não basta para explicar a força que caracteriza a vida do ator. É evidente a diferença entre esta vida do ator e a vitalidade de um acrobata e até alguns momentos de maior virtuosismo da Ópera de Pequim e de outras formas de espetáculo. Nestes casos os acrobatas nos mostram "outro corpo", que segue técnicas tão diferentes das cotidianas, que parecem perder todo o contato com estas. Já não se trata de técnicas extracotidianas mas simplesmente de "outras técnicas". Neste caso não existe uma dilatação da energia que caracteriza as técnicas extracotidianas quando elas se contrapõem às técnicas cotidianas. Em outras palavras, já não existe relação dialética, só distância; a inacessibilidade, em definitivo, de um corpo virtuoso. As técnicas cotidianas do corpo tendem à comunicação, as do virtuosismo tendem a provocar assombro. As técnicas extracotidianas tendem à informação: estas, literalmente, põem-em-forma o corpo, tornando-o artístico/artificial, porém crível. Nisto consiste a diferença essencial que o separa das técnicas que o transformam no corpo "incrível" do acrobata e do virtuoso. (18)
Em nível pré-expressivo não existe a polaridade realismo/não realismo, não existem ações naturais ou não naturais, mas apenas gesticulações inúteis ou ações necessárias. "Necessária" é a ação que compromete o corpo todo, que muda perceptivelmente a sua tonicidade, que implica um salto de energia mesmo na imobilidade. Em nível pré-expressivo não existe nem mesmo a polaridade identificação/distanciamento. Qualquer que seja o efeito que o espetáculo produza sobre o espectador, a distância entre o corpo e a mente - a sensação de que seja uma mente que comanda e um corpo que executa - deverá reduzir-se até desaparecer. (19)
O ator percorre diversos caminhos contemporaneamente. Não é importante quais sejam estes caminhos, qual seja o método, "a vida que o conduz mais além". O importante é que ao menos um desses caminhos seja secreto, protegido do olhar do espectador. (20)

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